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Condomínio de fato e a impenhorabilidade do bem família
Por Renan Felipe Wistuba - 17/06/2024
A impenhorabilidade do bem de família (“imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar”) comporta diversas exceções (previstas nos incisos do art. 3º da Lei Federal nº 8009/1990), dentre elas as dívidas decorrentes do próprio imóvel, tal como a que decorre de dívida de condomínio e tributos incidente sobre a propriedade imobiliária.
A dívida condominial que pode gerar a penhora do próprio bem (e até a perda do bem de família) é a que decorre de um condomínio edilício, definida pela Lei Federal nº 4.591/1964 (“edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais” ou “lotes integrantes de desmembramento ou loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas” desde que o próprio vendedor/construtor/proprietário tenha construído as casas isoladas ou geminadas).
Hipótese diversa, é a decorrente cobrança das “cotas de condomínio de fato” decorrentes de associação de moradores (bastante comum em condomínios horizontais, os chamados “condomínios fechados”, em que os lotes são vendidos e cada proprietário edifica no imóvel por sua conta e risco).
Para tais dívidas (condomínio de fato ou de associação de moradores) a impenhorabilidade do bem de família segue hígida. Tais dívidas NÃO tem o condão de subtrair a residência do devedor.
O condomínio de fato tem natureza jurídica diversa do condomínio edilício.
No caso dos condomínios edilícios (prédio de apartamentos, por exemplo) ainda que existam unidades autônomas, essas unidades compartilham uma mesma estrutura ou um mesmo construtor (caso dos imóveis horizontais geminados ou isolados que tem o mesmo construtor).
Já no caso dos condomínios de fato, os terrenos existem autonomamente e de forma independente, apesar de os condôminos terem acordado que teriam ruas próprias e asfaltadas no empreendimento, segurança, portões de acesso comuns etc. Contudo, cada um construiu o seu imóvel da maneira que bem entendeu.
No caso dos condomínios edilícios, as contribuições ordinárias ou extraordinárias possuem natureza real (a sua razão de existir está atrelada à essência do imóvel e por isso tal dívida segue o imóvel, independentemente de quem tenha inadimplido a dívida condominial, se o proprietário atual, anterior ou possuidor).
Nas contribuições condominiais do condomínio de fato, a dívida é de natureza pessoal, de modo que ela é exigível apenas da pessoa que acordou em contribuir com a associação de condôminos.
É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
- "As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram". (STJ - REsp 1439163/SP, DJe 22/05/2015).
- “As despesas condominiais (...) seguem o bem, independentemente do uso e de sua titularidade, já as contribuições criadas por associações de moradores (condomínio de fato), ostentam natureza de dívida fundada em direito pessoal, oriunda do ato associativo ou de concordância com a despesa, não possuindo vinculação com o bem, mas, sim, com o serviço contratado, posto à disposição do associado” (STJ - REsp 1688721/DF, Dje 26/02/2018).
A legislação processual ainda privilegiou o rito de cobrança apenas das dívidas oriundas de “contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício” (art. 784, X, CPC). Isto é, apenas a dívida condominial de condomínio edilício é passível de execução direta. As taxas condominiais dos “condomínios de fato” NÃO podem aparelhar o processo executivo e devem ser remetidas às vias ordinárias (cobrança ou ação monitória).
Em conclusão: a exceção do inciso IV, do artigo 3º, da Lei nº 8.009/90 (penhorabilidade do bem de família), decorre de dívida de condomínio edilício que não pode ser confundida com cobrança de associação de moradores (condomínio de fato).