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Herança: dever de colacionar bens recebidos em vida e a pena de sonegados (perda do bem recebido)
Por Renan Felipe Wistuba - 27/01/2024
O presente texto trata das doações para herdeiros necessários (descendente, ascendente e cônjuge) quando o doador era vivo e o destino do bem doado após o falecimento do doador.
Exemplificando a situação, imaginemos que em vida o pai presenteia um filho com um veículo automotor.
Com o falecimento do pai (independentemente de quanto tempo se passar entre a doação e o falecimento), existe uma obrigação legal (art. 2.002 e seguintes do Código Civil) de o filho descontar da quota-parte da herança o valor desse veículo recebido.
A legislação chamou este ato de “colação” e o seu objetivo é balancear quinhões hereditários (parcela da herança que cada herdeiro recebe). Isto é, para que na partilha dos bens deixados pelo “autor da herança” (pessoa que faleceu e deixou bens aptos à sucessão), todos os herdeiros recebam a sua exata quota-parte.
A legislação presume que - no silêncio - o patrimônio doado a herdeiros necessários (descendente, ascendente e cônjuge) saiu da parte da “legítima” (parcela do patrimônio que pela legislação deve ser reservado aos herdeiros necessários) do doador. E não da disponível (parcela do patrimônio que a pessoa pode dispor livremente) do doador.
Caso o doador queira desobrigar o herdeiro de no futuro trazer a colação o bem doado em vida deverá de maneira formal registrar que o bem doado saiu da parcela disponível do seu patrimônio.
Existe uma intensa discussão decorrente de legislações conflitantes se a obrigação de “colacionar” dá-se pelo valor de mercado do bem à (a) época em que recebida a doação (nesse sentido o §1º do art. 2.004, Código Civil, norma em vigor desde janeiro de 2003); ou (b) época do falecimento (artigos 1.014 do Código de Processo Civil de 1973; art. 639 do CPC atual, norma em vigor a partir de março de 2016).
O entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.698.638/RS) é de que entre 1973 a 2002 e a partir de março 2016 (início da vigência do atual Código de Processo Civil) o valor a se usar na colação é o valor de mercado do bem no ato da abertura da sucessão (falecimento do doador). Caso o falecimento tenha ocorrido entre 2003 e 2016, o valor do bem a se trazer a colação é o valor dá época em que a doação ocorreu.
Caso o herdeiro donatário dolosamente deixe de trazer a colação esses bens em inventário, a legislação prevê a “pena de sonegados” a saber: o herdeiro donatário (aquele que recebeu o bem) “perderá o direito que sobre eles lhe cabia” (art. 1.992, Código Civil). E caso o herdeiro já tenha se desfeito do bem, a legislação prevê “pagará ele a importância dos valores que ocultou, mais as perdas e danos” (art. 1.995, Código Civil).
A “sonegação” e cominação da “pena de sonegados” se afere em ação própria (ajuizada para esse fim) e tem como requisitos o dolo (intenção) de omitir o bem recebido em vida que se afere na forma do art. 1.996 do Código Civil: “Só se pode arguir de sonegação o inventariante depois de encerrada a descrição dos bens, com a declaração, por ele feita, de não existirem outros por inventariar e partir, assim como arguir o herdeiro, depois de declarar-se no inventário que não os possui”.