Exoneração da fiança prestada a pessoa jurídica em caso de mudança no quadro de sócios
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Exoneração da fiança prestada a pessoa jurídica em caso de mudança no quadro de sócios

Por Ricardo Key Sakaguti Watanabe - 17/09/2023

Dentre as garantias que podem ser prestadas num contrato de locação de imóvel, previstas no art. 37 da lei nº 8.245/91, a fiança tende a ser uma das modalidades mais usualmente praticadas no mercado.


Segundo o Código Civil, “pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra” (art. 818). Ou seja, na locação, em caso de inadimplência do locatário (afiançado), o locador pode exigir o cumprimento da obrigação diretamente do próprio fiador. 


O fiador assume pessoalmente a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação do locatário de modo a responder com seu próprio patrimônio por eventuais dívidas do afiançado (que pode abranger alugueres, encargos moratórios, indenização por danos ao imóvel etc.). O garantidor pode ser demandado judicialmente e sofrer a penhora de bens, inclusive do imóvel em que reside, já que ao fiador não são conferidas as proteções legais do bem de família, conforme art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 (declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral – Tema 1.127).

 

A fiança, portanto, é uma relação de confiança (fidejussória) e personalíssima (intuitu personae) entre fiador e afiançado. Tanto que, em caso de cessão da locação (ou seja, se outra pessoa assume a posição de locatário), extingue-se a fiança. 

 

Essa natureza jurídica da fiança ganha especial relevância quando prestada em favor de pessoa jurídica e no caso de mudança do respectivo quadro societário. Explica-se.

 

É pacífico na jurisprudência que, na fiança prestada em favor de pessoa jurídica, a característica intuitu personae se estabelece entre o fiador e os sócios da pessoa jurídica afiançada. Sobretudo nas situações (corriqueiras) em que figuram como fiadores pessoas com vínculo de amizade íntima ou parentesco com as pessoas físicas dos sócios da pessoa jurídica locatária.
Nesse contexto, havendo troca no quadro societário da pessoa jurídica locatária (afiançada), é possível ao fiador pleitear a exoneração do encargo, pois, nessa situação, não há mais a relação pessoal e intuitu personae que motivou a garantia.

 

Essa interpretação decorre, sobretudo, da aplicação do art. 819 do Código Civil, segundo a qual a fiança “não admite interpretação extensiva”, e da súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que libera o fiador de “obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.


Assim, segundo o STJ, “a alteração do quadro societário de pessoa jurídica, com o ingresso de novos sócios e/ou a retirada dos sócios que, por vínculo pessoal e familiar, justificaram a concessão da fiança, autoriza o fiador se exonerar da garantia, gratuita e desinteressada, então prestada, uma vez não mais existente o contexto fático que legitimou a fiança originalmente concedida” (1). 


Cabe ressaltar, por fim, que a alteração do quadro societário, por si, não implica automática exoneração da fiança. Segundo a jurisprudência, cabe ao fiador notificar o locador e, se for o caso, ingressar com ação de exoneração da fiança. 


Vale citar o seguinte julgado: “tendo a sócia fiadora e seu cônjuge notificado o locador de sua pretensão de exoneração do pacto fidejussório, em razão da sua retirada da sociedade que afiançaram, direito lhes assiste de se serem exonerados da obrigação, uma vez que o contrato fidejussório é intuitu personae, sendo irrelevante, no caso, que o contrato locatício tenha sido estipulado por prazo determinado e ainda esteja em vigor” (2).


Trata-se, portanto, de relevante questão sobretudo aos locadores, a quem se mostra recomendável avaliar com prudência as condições da fiança e os riscos de eventual exoneração e, bem assim, salvaguardar seus direitos tanto na redação do contrato de locação como na adoção das medidas legais cabíveis no curso da relação locatícia.

[1] Terceira Turma, rel. Marco Aurélio Bellizze, AgInt nos Edcl no REsp 1733238/SP, DJ 05/09/2018.

[2] Sexta Turma, rel. Hamilton Carvalhido, REsp 282821/SP, DJ 05/05/2003.

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