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Planos de saúde: ressarcimento por procedimento realizado fora da rede credenciada
Por Ricardo Key Sakaguti Watanabe - 05/08/2022
As operadoras de planos de saúde costumam negar cobertura a procedimento médico (cirúrgico, por exemplo) realizado por profissional ou em hospital não credenciados ao plano de saúde.
A depender da complexidade, urgência ou emergência do caso, e até da capacidade econômica do consumidor, este acaba por custear o tratamento com recursos financeiros próprios e posteriormente buscar o respectivo reembolso.
Daí a indagação: seria lícita essa negativa de cobertura? Haveria obrigação da operadora de plano de saúde de reembolsar os custos com um procedimento médico realizado fora da rede credenciada?
A primeira questão a analisar é se a busca por atendimento fora da rede credenciada decorreu de mera escolha (opção pessoal e voluntária) do consumidor ou se foi a alternativa que lhe restou por inviabilidade de atendimento na rede credenciada do plano de saúde.
Não é raro que a operadora negue a cobertura (sob o argumento de que não há de custear tratamento fora da rede credenciada) e, ao mesmo tempo, não disponibilize meios para a realização do procedimento. Nessa hipótese, a busca por tratamento fora da rede obviamente não decorre de mera liberalidade do consumidor que, portanto, não pode ser prejudicado e deve ser ressarcido.
Os arts. 4º e 5º da Resolução Normativa nº 259/2011 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelecem o dever da operadora de garantir o atendimento fora da rede credenciada nas hipóteses de “indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial” ou de inexistência de profissional credenciado “que ofereça o serviço ou procedimento demandado”.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que “o reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde deve ser permitido quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras” (Recurso Especial nº 1.575.764/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 30/05/19). E, no mesmo julgamento, decidiu-se que o reembolso é devido mesmo que o procedimento não tenha caráter de urgência ou emergência que seriam “apenas exemplos (e não requisitos) dessa segurança contratual dada aos consumidores”.
Estabelecido o dever de reembolso, cabe analisar quais valores devem ser reembolsados e se são limitados à tabela de preços aplicável ao plano de saúde contratado.
A Resolução Normativa nº 259/11 da ANS prevê, paralelamente ao dever da operadora de garantir o atendimento fora da rede credenciada (arts. 4º e 5º), que “caso o beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento, a operadora deverá reembolsá-lo integralmente” (art. 9º).
No entanto, essa regra vem sendo relativizada. Se o procedimento foi realizado fora da rede credenciada mesmo havendo profissional credenciado habilitado a realizá-lo, cabe: a) à operadora reembolsar o mesmo valor que pagaria a um profissional credenciado; e b) ao consumidor arcar com o excedente.
O STJ recentemente manteve a condenação de uma operadora de plano de saúde a ressarcir os custos com cirurgia para colocação de marca-passo, realizada fora da rede credenciada, limitados aos valores da tabela de preços do plano de saúde contratado, sob o fundamento de que deve ser garantido “acesso à saúde de forma equilibrada, sempre com amparo no contrato estabelecido entre os usuários de planos de saúde e as operadoras e na manutenção do equilíbrio financeiro, pois a precificação dos serviços já está desde o início da contratualidade previamente estabelecida, com a consideração dos custos médios dos procedimentos na tabela dos serviços” (Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.933.552/ES, rel. Min. Marco Buzzi, DJ 25/05/22).
O Enunciado 101 da III Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça ratifica esse entendimento ao prever que "as decisões judiciais que versem sobre coberturas contratuais asseguradas mediante reembolso sujeitam-se aos limites dos valores contratados", mas "desde que haja especialista credenciado pela rede contratada".
Ou seja, se a operadora não disponibilizou em sua rede credenciada profissional e hospital que possam prestar o atendimento, caberá à operadora reembolsar integralmente os custos suportados pelo consumidor fora da rede. É que, nessa hipótese, a operadora terá incorrido em descumprimento do dever legal de propiciar “ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde” (art. 35-F da Lei nº 9.656/98), de modo a desvirtuar a própria finalidade da contratação e a função social do contrato de plano de saúde.
Em resumo: o consumidor tem direito ao reembolso dos gastos com procedimento médico realizado fora da rede credenciada desde que isso não tenha decorrido de mera liberalidade sua, cujos valores só podem ser limitados à tabela de preços praticada pela operadora "desde que haja especialista credenciado pela rede contratada".