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A desinfluência da ciência do fisco para apuração do imposto de transmissão causa mortis e de doação
Por Renan Felipe Wistuba - 09/07/2021
O texto constitucional autoriza os Estados e o Distrito Federal a instituírem o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos, exação conhecida pela sigla ITCMD (art. 155, I, CF).
O imposto incide nas doações e no recebimento de quinhão hereditário (parcela da herança que cabe ao herdeiro).
O imposto também incide na hipótese de excesso de partilha (tanto na dissolução da sociedade conjugal, como na hipótese de quinhão desbalanceado), isto é, quando por conveniência ou por dificuldade na divisão equânime do patrimônio partilhado um dos ex-cônjuges ou herdeiros recebe parcela patrimonial maior. Nesse caso o imposto incidirá sobre excesso patrimonial recebido pelo herdeiro ou cônjuge.
Tomemos um exemplo para simplificar a incidência do ITCMD sobre o “excesso de partilha”: suponhamos que o autor da herança (morto/finado) tenha deixado três herdeiros necessários e um patrimônio de três imóveis (de planta idêntica, todavia em andares diferentes) num edifício de apartamentos residenciais e que tais apartamento somados foram avaliados em R$630.000,00.
Por comodidade cada uma dos herdeiros resolveu ficar com um apartamento (em vez de os três ficarem com 1/3 de cada um dos três apartamentos). E em razão dessa divisão e de os apartamentos superiores terem valor de mercado ligeiramente superior aos dos andares inferiores um herdeiro ficou com um quinhão de R$200.000,00, outro com um de R$210.000,00 e o terceiro com um patrimônio de R$220.000,00.
Nesse cenário é como se o primeiro herdeiro doasse ao terceiro o valor de R$10.000,00, sobre o qual incidirá o ITCMD de “excesso de partilha”.
Uma vez esclarecidas as hipóteses em que ocorre a relação jurídico-tributária do ITCMD (quando um fato vivido pelo contribuinte lhe gera o ônus financeiro de levar dinheiro aos cofres públicos) pertinente notar a dificuldade de se estabelecer a data em que o crédito tributário deveria ser constituído (lançamento tributário): na data da doação; na data do falecimento; na aceitação da herança; com a sentença que declara a partilha, ou no seu trânsito em julgado; ou, na data em que a fazenda pública estadual ou distrital teve ciência da ocorrência do fato gerador (transmissão por morte ou doação) do ITCMD.
O problema decorre sobretudo pela falta de uma lei complementar federal que balizasse o tema para todo o país e as diversas leis de ITCMD em vigor em cada um dos estados da federação e no Distrito Federal.
Atualmente o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça é no sentido que o ITCMD tem como fato gerador o trânsito em julgado da sentença que define a partilha de bens ou a data em que ocorrida a doação (Tema 1.048/STJ).
O entendimento afeta sobremaneira os cofres públicos no tocante à doação. Mesmo que o contribuinte omita o recebimento (deixa de informar ao fisco esta doação), iniciar-se-á (independente da ciência do fisco) o prazo decadencial de lançar o imposto sobre essa doação (computados na forma do art. 173, I, CTN: cinco anos a partir “do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”).
Novamente tomemos um exemplo, para o qual tomaremos a alíquota vigente no Estado do Paraná de 4%: suponhamos que uma pessoa recebe um veículo automotor de R$40.000,00 em doação no ano de 2014 e deixa de informar ao fisco o recebimento da doação, e consequentemente não recolhe o valor de R$1.600,00 a título de ITCMD.
Em 2021 a pessoa (que recebeu o veículo em doação) comunica a transferência, momento em que a administração pública tributária resolve instaurar o processo administrativo fiscal e apura a doação ocorrida de 2014 e o não recolhimento do imposto (pela falta de constituição do crédito tributário). Nessa hipótese, já não seria mais possível tributar essa doação ocorrida em 2014 pela ocorrência da decadência (perda do prazo para constituir o tributo).
Assim, pelo entendimento atual do STJ é desinfluente a data em que o Fisco tomou conhecimento de eventual omissão de informações, de modo que o prazo para lançar o tributo inicia-se já na data da doação, e no exemplo acima (pela contagem estabelecida no art. 171, I, CTN) encerrou-se no último dia de 2020.
Essas peculiaridades merecem atenção nas doações, por conta da informalidade usual em tais negócios jurídicos – o que não se verifica nos processos de inventário e de dissolução da sociedade conjugal, nos quais é exigida a prestação de informações à fazenda pública previamente à partilha de bens.
