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Equilíbrio econômico-financeiro e a nova lei de licitações
Por Ricardo Key Sakaguti Watanabe - 28/05/2021
A nova lei de licitações (lei nº 14.133/2021) não trouxe significativas modificações nas regras de alteração dos contratos administrativos. Apresenta singelas inovações a partir do texto da lei anterior (lei nº 8.666/93).
Sem adentrar no debate sobre erros e acertos do legislador – que aparentemente tentou aperfeiçoar a legislação anterior mediante compilação de normas esparsas e do entendimento pacificado pelo Poder Judiciário e pelos Tribunais de Contas – o presente texto se limita a tratar, brevemente, sobre as principais disposições atuais acerca da alteração do contrato administrativo e a manutenção do seu equilíbrio econômico-financeiro.
Persiste a prerrogativa da Administração de alterar unilateralmente os contratos administrativos (art. 104, I), com a ressalva de que “cláusulas econômico financeiras e monetárias dos contratos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado” (art. 104, § único), assim como constava do art. 58 da lei nº 8.666/93.
E, sobre a possibilidade de alteração voltada ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a alínea “d” do art. 124 da nova lei manteve a possibilidade de alteração “por acordo entre as partes” nos casos de “força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado”, estabelecendo, contudo, a ressalva de que deve ser “respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato”.
Essa “repartição objetiva de risco estabelecida no contrato” diz respeito à matriz de riscos, definida no art. 6º, XXVII, como “cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação” e regulada pelo art. 103 do mesmo diploma.
Eis aqui uma inovação da lei atual: a possibilidade de o contrato administrativo “identificar os riscos contratuais previstos e presumíveis e prever matriz de alocação de riscos, alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação daqueles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados” (art. 103), de acordo com “as obrigações e os encargos atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco, o beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada setor para melhor gerenciá-lo” (art. 103, §1º), de modo que “os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras serão preferencialmente transferidos ao contratado” (art. 103, §2º).
Assim, em eventual alteração contratual visando ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, deve ser respeitada essa matriz de riscos.
E não se poderia deixar de comentar a inovação trazida no art. 131 da nova lei.
De um lado, parece louvável a disposição do caput, de que “a extinção do contrato não configurará óbice para o reconhecimento do desequilíbrio econômico-financeiro, hipótese em que será concedida indenização por meio de termo indenizatório”. Esse era o entendimento prevalecente na vigência da legislação anterior, sobretudo porque é natural que o contratado opte por exercer o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro somente após o encerramento do contrato (momento em que pode aproveitar para pleitear também eventuais outros haveres).
Por outro lado, merece atenção o parágrafo único do referido art. 131, segundo o qual “o pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação nos termos do art. 107 desta Lei”.
Aparentemente, a intenção do legislador foi a de submeter o direito de pleitear reequilíbrio econômico-financeiro ao instituto (processual) da preclusão lógica e à renúncia tácita. Isso seria decorrente de um entendimento (não dominante) segundo o qual o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro somente poderia ser exercido durante a vigência do contrato, sob pena de ser declarada a “preclusão” como óbice intransponível ao referido pleito.
No entanto, esse entendimento parece questionável. Primeiro, porque privilegia mera formalidade em prejuízo de direito material (ao equilíbrio econômico-financeiro) protegido constitucionalmente (art. 37, XXI, da CF), de modo a possibilitar o enriquecimento sem causa. Segundo, porque renúncia não se presume, a teor do art. 114 do Código Civil, sobretudo quando se trata de direito constitucionalmente agasalhado. Terceiro, porque a preclusão lógica é instituto de direito processual e não material. Quarto, porque a preclusão lógica implica extinção do direito de praticar ato (processual) em virtude da prática de outro ato com ele incompatível, ao passo que o simples “não pleitear” não caracterizaria, em tese, ato incompatível com o direito de “pleitear” o reequilíbrio.
Vale lembrar que, no plano do direito material, a partir do momento em que surge o direito, cabe ao titular exercer sua pretensão a qualquer momento, desde que antes do decurso do prazo prescricional ou prazo decadencial. Esses são os óbices temporais aplicáveis ao direito material. Se o contratado optar por exercer seu direito subjetivo de não pleitear o reequilíbrio econômico-financeiro durante a vigência do contrato, mas o fizer dentro do prazo prescricional, nada haveria a obstar sua pretensão.
Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Paraná já decidiu (especificamente sobre reajustes contratuais à luz da legislação anterior) que “independentemente da celebração de posteriores termos aditivos (...) estes não podem afastar o direito ao equilíbrio econômico-financeiro (...) pactuado no momento da celebração do instrumento contratual” (4ª Câm. Cível, rel. Abraham Lincoln Calixto, APC 897257-0, DJ 12/07/2012).
Enfim, apesar da tentativa de aperfeiçoamento da legislação, persiste a necessidade de o Poder Judiciário e os Tribunais de Contas pacificarem a interpretação da nova lei e assegurarem a prevalência do direito constitucional ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.
