O dever de fornecimento de medicamento quimioterápico pelo plano de saúde
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O dever de fornecimento de medicamento quimioterápico pelo plano de saúde

Por Renan Felipe Wistuba - 14/10/2020

Os planos de saúde costumeiramente negam a cobertura de procedimentos (supostamente) não abrangidos no rol de procedimentos mínimos da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar (previsto na Resolução Normativa nº 428/2017 da ANS), alegando em síntese que (a) apenas o Sistema Único de Saúde (SUS) estaria obrigado a cobrir de forma universal as intempéries que assolam a população e (b) os planos de saúde, pela sua natureza privada e suplementar, teriam o dever de cobrir apenas os procedimentos previstos no rol da ANS.


Dentre os tratamentos que costumam ser negados aos consumidores, está o tratamento ambulatorial com fármaco quimioterápico receitado pelo médico assistente do paciente para continuação da quimioterapia. Para esse caso específico os planos costumam entender que o seu dever de cobertura se limita aos medicamentos constantes da Diretriz de Utilização Técnica (DUT) nº 64, editada pela ANS através da Resolução Normativa nº 428/2017.


Nesse cenário, caso o medicamento receitado não esteja expressamente previsto nesta listagem é praxe que o plano negue a cobertura. Todavia, essa negativa geralmente é abusiva e, portanto, indevida.


Em primeiro lugar, a adesão ao seguro saúde se caracteriza como relação de consumo, o que consequentemente atrai a aplicação do CDC – Código de Defesa do Consumidor.


É de notável importância o art. 51, VI, do CDC, que estabelece ser nula de pleno direito toda e qualquer cláusula contratual que estabeleça obrigação considerada iníqua, abusiva, exageradamente desvantajosa ou incompatível com a boa-fé ou a equidade. Assim, não basta constar no contrato de adesão que o plano limitar-se-á apenas ao rol de procedimentos da ANS, eis que toda exclusão de cobertura (para ser válida) precisa ser expressa e específica e não genérica.


Em segundo lugar, o art. 35-C, inciso I, da Lei nº 9.656/98 (que rege especificamente os planos de saúde) estabelece que é obrigatória a cobertura de casos caracterizados como de emergência, isto é, aqueles que “implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente”.


Em terceiro lugar, os tribunais entendem que os procedimentos previstos no rol da ANS são meramente exemplificativos, isto é, que na falta da previsão expressa do tratamento na lista da ANS, e sendo a situação coberta pela Lei ou a doença coberta pelo contrato, é dever da operadora de saúde custeá-lo.


No caso específico de prescrição de medicamentos, a jurisprudência dominante inclusive determina que o plano de saúde custeie tratamento experimental (desde que prescrito por profissional médico e que atestada cientificamente a eficácia do tratamento): “É abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de arcar com a cobertura do medicamento prescrito pelo médico para o tratamento do beneficiário, sendo ele off label, de uso domiciliar, ou ainda não previsto em rol da ANS, e, portanto, experimental, quando necessário ao tratamento de enfermidade objeto de cobertura pelo contrato”. (STJ – 3ª T., Rel. Ministra Nancy Andrighi, AgInt no AREsp 1573008/SP, DJe 12/02/2020).


Tais conclusões decorrem do entendimento de que os planos de saúde podem estabelecer (limitar) apenas as doenças que serão cobertas e não podem limitar o tipo e a forma de tratamento a ser ministrado ao paciente.


Assim, uma vez prescrito um fármaco específico, como no caso de tratamento quimioterápico, e com eficácia provada cientificamente, não estando a doença do consumidor excluída na apólice de seguro, entende-se que é dever do plano de saúde custear o tratamento, porquanto a “cláusula limitativa e ausência no rol da ANS não justifica a recusa de cobertura de procedimento indicado pelo médico” (STJ – 3ª T., Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, AgInt no AREsp 1448210/RJ, DJe 02/08/2019).
 

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