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Procedimento licitatório e sua exigência na aquisição de produtos e serviços pelo Poder Público
Por Geandro Luiz Scopel - 29/06/2020
É de notório conhecimento a obrigação do Poder Público de realizar procedimento licitatório em toda contratação norteado pelos princípios da isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade objetivando selecionar a proposta mais vantajosa para o interesse da coletividade.
Essa modalidade de contratação é regida, além dos princípios supra mencionados, pela legislação ordinária (em especial a Lei n. 8.666/93) e por regras estabelecidas no edital de convocação, sendo que o início do procedimento de contratação pelo Poder Público se dá pela publicidade do edital de licitação.
Nesse contexto, a Administração Pública se vincula ao edital, não podendo fazer exigências além do nele previsto, assim como o licitante igualmente fica vinculado, ou seja, deverá preencher todos os requisitos previstos no instrumento convocatório.
Contudo, há de se ponderar que os licitantes muitas vezes se deparam com exigências editalícias exageradas, para não se dizer vazias, ou seja, que em nada contribuem para o objetivo licitatório – busca da melhor proposta para a Administração Pública, tanto financeira, como em qualidade-capacidade – e que na maioria das vezes ferem o princípio da livre concorrência, porquanto restringem a participação do maior número de licitantes em prejuízo da Administração Pública na busca da melhor proposta ao interesse da coletividade.
Em linhas gerais o que interessa no presente arrazoado é analisar a interpretação dada ao artigo 3º, §1º, conjuntamente com o artigo 30, ambos da lei de licitação (8.666/93), que trata justamente da indevida exigência de requisitos da qualificação técnica dos interessados em contratar com a Administração Pública que “restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo” da licitação.
No ponto, quanto a qualificação técnica leciona Marçal Justen Filho: “consiste no domínio de conhecimentos e habilidades teóricas e práticas para execução do objeto a ser contratado. (...). a determinação dos requisitos de qualificação técnica far-se-á caso a caso, em face das circunstâncias e peculiaridades das necessidades que o Estado deve realizar. (...) avaliar os requisitos necessários, restringindo-se ao estritamente indispensável a assegurar um mínimo de segurança quanto à idoneidade dos licitantes.” (Comentários À Lei de Licitações, 14ª ed., pág. 428-429).
A legislação ordinária dá plena eficácia ao texto constitucional de 1988 (art. 5º e art. 37), na busca da melhor proposta ao interesse da Administração Pública, para isso define que o ato convocatório não deverá conter exigências que que “restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo” – art. 3º, §1º, Lei 8.666/93 –, ou seja, o ato convocatório não deverá conter mero formalismo – exigência desnecessária –, como já decidiu há muito o Superior Tribunal de Justiça, por sua colenda 1ª Seção, nos autos do MS 5.418-DF, do qual foi relator o Ministro DEMÓCRITO REINALDO: “Direito Público. Mandado de Segurança. Procedimento licitatório. Vinculação ao edital. Interpretação das cláusulas do instrumento convocatório pelo Judiciário, fixando-se o sentido e o alcance de cada uma delas e escoimando exigências desnecessárias e de excessivo rigor prejudiciais ao interesse público” (in DJ 01.06.98).
Igualmente, o Tribunal de Contas da União repudia tais exigências vazias de caráter restritivo no procedimento licitatório, ao decidir, nos autos da representação n. 006.029/95-7, da qual foi relator o Ministro ADHEMAR PALADINI GHISI: “Na fase de habilitação a Comissão de Licitação não deve confundir o procedimento formal inerente ao processo licitatório com o formalismo, que se caracteriza por exigências inúteis e desnecessárias, e cujo desatendimento, por sua irrelevância, não venha a causar prejuízos à Administração ou aos licitantes”. (in Boletim de Licitações e Contratos, Ed. NDJ, ano IX, n. 07, julho/96, p. 346.).
Assim, dentro das limitações da Lei 8.666/93, não pode o ato convocatório fazer exigências outras além do estabelecido nestes dispositivos, calhando, no ponto, acerca das restrições e limitações das exigências do Edital, o magistério de JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR segundo o qual a lei de licitações limita “os documentos que os atos convocatórios de licitação podem exigir, na fase de habilitação preliminar” de modo que “poderá a Administração deixar de exigir todos os documentos previstos, atendendo à simplicidade do objeto a ser licitado, porém não poderá exigir diverso do previsto na lei, sob pena de exceder-se no exercício do dever geral de licitar e sujeitar-se à invalidação da exigência indevida, mantidas apenas aquelas que se compatibilizarem o a provisão legal. (...)”. (in, Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, 5ª edição. RJ, 2002. pág. 325).
Neste contexto, entende-se que as exigências do ato convocatório devem sempre ser devidamente fundamentadas pela Administração Pública, a fim de que fique demonstrada a sua necessidade e pertinência ao objeto licitado, objetivando garantir minimamente que o licitante detenha qualificação suficiente para cumprir o objeto licitado-contratado futuramente, sendo expressamente vedadas exigências que extrapolem os critérios razoáveis de seleção da melhor proposta, com o que fere a competitividade do certame.
Dessa maneira, aos interessados em contratar com a Administração Pública cabe analisar atentamente o ato convocatório, sob o prisma norteador dos princípios mencionados, combatendo eventuais excessos e a ofensa dos procedimentos próprios, caso em que, por via reflexa, auxiliarão a Administração Pública na contratação da proposta mais vantajosa à coletividade.
