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(Im)Penhorabilidade de bem imóvel x proteção conferida a entidade familiar (bem de família) 

O imóvel destinado à entidade familiar (bem de família) encontra proteção na lei n. 8.009/1990 de modo que não pode, via de regra, sofrer constrições por dívidas de seus proprietários. Com as exceções trazidas no artigo 3º da referida lei, como por exemplo: débito decorrente do próprio imóvel (IPTU, condomínio etc.), ou de débitos decorrentes de dívida alimentícia, dívida hipotecária em que o próprio imóvel foi dado em garantia e fiança em contrato de locação.


Em linhas gerais o que interessa no presente arrazoado é analisar a interpretação dada ao artigo 5º da lei da impenhorabilidade, segundo o qual “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente” (caput) e “na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil” (parágrafo único).


A legislação ordinária dá plena eficácia ao texto constitucional de 1988 (art. 1º, inciso III e art. 6º) correspondente ao mínimo existencial e do direito à moradia. No ponto, Arnaldo Rizzardo conceitua que: “no elenco de direitos e garantias, têm-se como da maior relevância aqueles que dizem com a vida e a dignidade do ser humano, envolvendo naturalmente a proteção à moradia, que deve constituir uma das principais metas do próprio Estado. Nesta dimensão, introduziram-se leis destinadas a proteger o patrimônio formado pelos bens utilizados para as pessoas se abrigarem e viverem individualmente ou no conjunto familiar.” (in Direito de Família, Forense, 2006, pág. 855).


Com isso, os operadores do direito e o Poder Judiciário devem interpretar a aplicação da proteção do bem de família (impenhorabilidade) de forma abrangente e finalística e não de forma restrita e literal.


Para aplicação da regra de impenhorabilidade do bem de família, importante verificar a finalidade a que se destina o imóvel (alvo da penhora) de modo a ser irrelevante se nele está a residência do proprietário, desde que o imóvel sirva para a moradia de outros membros da entidade familiar e o devedor (proprietário) resida em outro local (exemplo: outro imóvel locado), por motivos diversos.


Dispõe a Súmula 486 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.

 

Consoante o posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria, é evidente que a lei visa a assegurar a garantia do patrimônio mínimo das pessoas e a dignidade da pessoa humana do devedor e de sua família, em proteção do imóvel (bem de família), utilizado pela entidade familiar ou cujos frutos revertem-se em prol da família.

 

No ponto, calham os esclarecedores julgamentos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça. Acerca da impenhorabilidade do imóvel destinado a moradia própria ou entidade familiar, aquela Corte decidiu que “deve ser dada maior amplitude possível à proteção consignada na Lei 8.008/90, que decorre do direito constitucional à moradia estabelecido no caput do art. 6º da CF/88, para concluir que a ocupação do imóvel por qualquer integrante da entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica do bem de família.” (REsp. 1.216.187/SC, DJe. 22/11/2010). E sobre a impenhorabilidade em razão da complementação de renda da entidade familiar, julgou que “(...) a impenhorabilidade prevista na Lei n. 8.009/90 se estende ao único imóvel do devedor, ainda que este se ache a terceiros, por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado ou utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar.” (REsp n. 714.515/SP, DJe. 07/12/2009).

 

Por outro lado, oportuno destacar o inciso V do artigo 3º da lei 8.009/1990, que prevê como uma das exceções da impenhorabilidade a “execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”. Ou seja, não é oponível a impenhorabilidade quando o imóvel (único) é oferecido como garantia em benefício do próprio proprietário. Isso não ocorre, contudo, quando a hipoteca beneficia pessoa jurídica da qual é sócio o proprietário do imóvel hipotecado, estando a uníssona jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – EDcl nos EAREsp n. 848498/PR, DJe. 14/08/2018, no seguinte sentido: “a) o bem de família é impenhorável quando for dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica, cabendo ao credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar; e b) o bem de família é penhorável quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a demonstração de que não se beneficiaram dos valores auferidos.

 

Dessa maneira, a impenhorabilidade do bem de família visa à proteção da família, a resguardar o ambiente material em que vivem seus membros (entidade familiar) ou quando os frutos do referido imóvel (aluguel) reverterem em favor da entidade familiar, não se olvidando que “o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas ou viúvas” (Súmula 364 do STJ).


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