O Poder Judiciário e a liberdade de informação e de expressão
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O Poder Judiciário e a liberdade de informação e de expressão

As recentes decisões do Min. Alexandre de Moraes do STF envolvendo a matéria “O amigo do amigo de meu pai”, a revista “Crusoé” e o site “O Antagonista” originaram inflamados debates sobre censura, liberdade de informação e expressão e limites da atuação do Poder Judiciário. 


Sem adentrar o mérito das discussões nem comentar o caso em si, este texto apresenta breves considerações no âmbito jurídico de modo a eventualmente contribuir para o enriquecimento do diálogo.


A liberdade de informação e de expressão é princípio de direito fundamental previsto na Constituição Federal, que define como livre “a manifestação de pensamento” (art. 5º, IV) e “a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5º, IX), ao mesmo tempo em que veda a restrição a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo” (art. 220). 


Todavia, a garantia da liberdade de informação e de expressão não há de servir como escudo para condutas ilícitas, em que o exercício do direito de manifestação do pensamento vai além da mera informação, opinião ou crítica e transborda para a seara do abuso e da ofensa, de modo a caracterizar injúria, difamação ou calúnia e, ainda, colisão com outros princípios fundamentais – como o que estabelece como invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (art. 5º, X). 


Como já externou o Min. Celso de Mello em precedente do STF, “publicações que extravasam, abusiva e criminosamente, o exercício ordinário da liberdade de expressão e de comunicação, degradando-se ao nível primário do insulto, da ofensa e, sobretudo, do estímulo à intolerância e ao ódio público, não merecem a dignidade da proteção constitucional” e “a liberdade de expressão não pode amparar comportamentos delituosos que tenham, na manifestação do pensamento, um de seus meios de exteriorização, notadamente naqueles casos em que a conduta desenvolvida pelo agente encontra repulsa no próprio texto da Constituição” (voto proferido na ADPF 130/DF).


A liberdade de informação e de expressão não é absoluta, assim como também não o são os demais princípios constitucionais. Isto é, nenhum princípio constitucional é prevalente sobre os demais, assim como não existe hierarquia entre eles, que, nesse contexto, devem ser ponderados em cada caso. Até porque se o Estado Democrático de Direito se ampara justamente numa pluralidade de princípios e garantias fundamentais, não parece razoável privilegiar qualquer deles em detrimento dos demais. 
Daí advém a necessidade de intervenção do Poder Judiciário para o fim de solucionar o conflito entre princípios, mediante sopesamento deles frente às peculiaridades do caso concreto de modo a dar maior peso a um ou outro exclusivamente na situação em particular. 


Ressalta-se, pois, que a liberdade de informação e de expressão goza “de um ‘lugar privilegiado’ a impor, em caso de colisão com outros direitos fundamentais, tais como os direitos de privacidade, honra e imagem, um forte ônus argumentativo para imposição de eventuais restrições à divulgação de peças jornalísticas, todas sempre bastante excepcionais” (trecho da decisão do Min. Edson Fachin na Rcl. 28262/PI). 


Nesse contexto, a atuação que vem sendo exercida pelos órgãos do Poder Judiciário pode ser compreendida da seguinte forma: a) não se questiona a inconstitucionalidade de qualquer mecanismo de censura prévia; b) admite-se a análise judicial posterior (após a divulgação do conteúdo apontado como ofensivo) e, se for o caso, imposição de medida judicial com vista a remediar a violação a direito, mediante observância do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório; c) essa medida judicial deve ser focada, preferencialmente, na retificação da matéria, concessão de direito de resposta e responsabilização nas esferas cível e criminal; e d) excepcionalmente se justifica a ordem judicial de cessação da divulgação e propagação do conteúdo julgado ofensivo, condicionada a aprofundada análise quanto ao seu potencial lesivo e desde que a medida seja razoável e proporcional à comprovada lesão ou ameaça a direito.


Especificamente sobre a cessação da divulgação de conteúdo ofensivo, tanto isso é possível que, no âmbito da internet, o artigo 19 da lei nº 12.965/2014 prevê (excepcionalmente, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”) o cabimento de “ordem judicial específica” dirigida ao provedor de aplicações de internet com a determinação de “tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.


Basta conferir os precedentes do Superior Tribunal de Justiça em que se determinou ao provedor de aplicações de internet a supressão do conteúdo julgado inapropriado (ainda que de autoria de terceiro), tanto do site como dos resultados obtidos por ferramentas de pesquisa. Como constou em uma dessas decisões, “cabe ao Poder Judiciário, quando instigado, aferir se determinada manifestação deve ou não ser extirpada da rede mundial de computadores e, se for o caso, fixar a reparação civil cabível” (Min. Ricardo Villas Boas Cueva, Resp. 1.568.935/RJ).


Como o Direito é processo de adaptação do homem à vida em sociedade, cabe aos poderes constituídos e à própria sociedade desenvolver medidas eficazes que, de um lado, salvaguardem a liberdade de informação e de expressão e, de outro, impeçam o exercício abusivo dela e a violação a direitos. Sobretudo em época de constante evolução e desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação, que favorecem maior propagação e alcance de manifestações e notícias e, na mesma medida, de informações maliciosas (como as lamentáveis fake news) com efeitos nefastos que podem ser irreversíveis. 
 


 

 

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